Senhor Provedor(a),
Caro Amigo (a)
Venho até vós, mais uma vez, no decurso desta pandemia, para em primeiro lugar, vos agradecer todo o magnifico trabalho que tendes desenvolvido em prol das pessoas que temos a cargo. Pessoas quase todas muito frágeis, muitas delas com demência, muitas com deficiência, quase todas com várias doenças crónicas associadas.
Sem vós e os vossos dedicados colaboradores, a quem também é justo agradecer, a situação seria horrível em termos de óbitos e os números estariam nos níveis dos outros países da União Europeia; porque a média de óbitos em Lar nesses países, se situa em cerca de metade da capacidade dos utentes, isto é, nalguns casos em média, mais de 50%; mesmo com o Estado a pagar comparticipações entre 5 a 10 vezes mais do que comparticipa em Portugal.
O COVID-19 é sem margem para dúvidas uma doença terrível que tem atingido milhões de pessoas no Mundo inteiro; ainda sem medicamentos ou vacinas conhecidas.
Seria, pois, justo, que o Estado e a comunicação social, relevassem o fantástico papel que vós todos têm desempenhado. Infelizmente, porém, o que assistimos nas diárias conferências de imprensa é salientar o número de mortes em Lar, como se os Lares fossem um local para “condenados à morte”.
Ontem mesmo, uma Senhora Provedora nos chamava a atenção para a contradição entre as referências à saúde mental dos cidadãos que o Estado diz querer proteger, e a forma como a DGS anuncia diariamente a contabilidade dos óbitos em Lares. Grande exercício de proteção à saúde mental dos idosos em Portugal!
Acresce, porém, que os números que dispomos nas Misericórdias Portuguesas não apontam de forma nenhuma para percentagens dessa ordem. Na verdade, um inquérito levado a efeito pela UMP com data de 16/04, apontava para 63 óbitos entre os mais de 35.000 idosos em cerca 670 ERPI`s e UCC`s, o que “grosso modo” atira para uma percentagem de óbitos por COVID-19 em cerca de 2% !!!! Sem contar, e é preciso contar, com o apoio domiciliário que continuamos estoicamente a fazer.
Então que dizer aos Senhores Provedores que diariamente me informam que, em muitos casos, já tinham avisado as famílias dos idosos que faleceram, que se preparassem para o pior? e que por isso, levar esses idosos à estatística das mortes por COVID-19 lhes parece um evidente exagero;
Ou os que dizem que no ano passado, por esta altura do ano o número de óbitos era idêntico?
Ou os que não tendo casos de COVID-19 declarados, têm mais óbitos dos que os que têm COVID-19?
E a questão final e mais decisiva: se os idosos não estivessem nos Lares onde estariam? antes, durante e depois do COVID-19?
Repito: Não quero desvalorizar a importância, nem a gravidade, nem a letalidade do COVID-19! Basta ver o que se passa por esse mundo fora! Mas como Presidente do Secretariado Nacional tenho o dever inalienável de defender as Santas Casas da Misericórdia, os seus Órgãos Sociais e os Profissionais que ali prestam serviço.
Por isso me decidi a escrever-vos esta carta! Para que me ajudem a defender-vos melhor. E a forma séria de vos defender melhor, é permitir que o Secretariado Nacional tenha mais e melhores dados.
Só dessa forma conseguiremos ter acesso a mais testes, a mais EPI, a mais formação, a mais recursos comunitários para obras de adaptação, requalificação e equipamentos,
Só dessa forma, teremos voz na opinião pública; só dessa forma, com clareza e transparência, nos colocaremos perante o Estado em verdadeira postura de cooperação, para que os responsáveis assumam na plenitude, a responsabilidade de cada um, como uma parte da responsabilidade de todos.
Permitam-me um exemplo: todos sabemos que em Portugal os Lares de Idosos são estruturas residenciais sem qualquer apoio médico (em sede legislativa) e com um reduzidíssimo apoio de enfermagem (um enfermeiro por cada 40 utentes). Partiu-se sempre do pressuposto que o SNS pela via dos Centros de Saúde, dos ACES e das ULS asseguraria os cuidados de saúde necessários; mas isso, salvo raríssimas e honrosas exceções, nunca aconteceu. Por isso, muitas Misericórdias, face à evolução do perfil do idoso em Lar, se viram na necessidade de contratar médicos e mais enfermeiros (sem qualquer comparticipação publica). Com a Pandemia, as autoridades de saúde começaram a exigir que ficássemos com os doentes com COVID-19; como se fossemos uma unidade de saúde, ou o COVID-19 não fosse uma doença letal, ou se de repente o SNS parasse à porta do Hospital! Só depois de muita luta, de muita argumentação, de muita evidência e de muita transferência para os Hospitais (onde, é preciso ter presente e não esquecer, afinal faleceu a maior parte dos idosos que vive nos Lares) se admitiu instalar unidades especiais para doentes com COVID-19, e fazer testes maciços nos Lares. E finalmente, surgiu o Despacho nº 4959/2020 de 24 de abril, que se saúda, porque a Sra. Ministra da Saúde comete aos clínicos dos ACES a responsabilidade diária de acompanhar os doentes de COVID-19 que as Instituições (Provedor e Direção Técnica) aceitem que fiquem nos Lares. Daí que, nesses casos, a primeira condição para os doentes continuarem no Lar, é o ACES indicar formalmente, os horários, o nome e os contactos do médico e dos enfermeiros encarregados da vigilância e da responsabilidade. As outras são naturalmente, as condições de salvaguarda dos outros utentes, os EPI necessários para cuidar do doente e o próprio número de doentes infetados.
Caros Amigos:
Este exemplo e tudo o que argumentei antes, é pois, para lhes solicitar o preenchimento do mapa anexo todas as semanas até quinta feira ao meio dia.
Só precisam de preencher o mapa, uma vez, e todas as semanas comunicar as alterações ocorridas nos diversos itens para o email, [email protected] , ao cuidado da Catarina Baía.
E em cada sexta-feira, para o melhor e para o pior, tornaremos públicos esses dados devidamente agregados, bem como as conclusões e tendências que deles ressaltam.
Eu sei, que todos vos pedem para preencher dados, mas convenham que, por uma vez, estes dados são por nós e para nós. Não são contra ninguém, nem para fazer polémica e até tenho a certeza de que muitos responsáveis políticos dentro e fora do Governo apoiarão esta iniciativa. Também eles querem debelar esta pandemia com a maior rapidez. É que se os especialistas tiverem razão, virá uma segunda ou mesmo uma terceira vaga, que desta vez, não nos pode apanhar desprevenidos.
Acreditem que estes dados vão ser decisivos para podermos construir o futuro. O futuro, como a UMP tem sustentado há vários anos, não pode ser igual. As comparticipações têm que ser justas, a sustentabilidade apoiada no rigor da gestão natural, o dialogo constante, a parceria total. Com os dados que obtivermos e com a colaboração de universidades e especialistas, iremos elaborar um conjunto de estudos para dar sustentabilidade e robustez às nossas propostas.
E foi com emoção e extrema alegria que ouvi ontem o nosso Presidente da Assembleia Geral, José da Silva Peneda, uma das maiores personalidades da vida Portuguesa, disponibilizar-se para coordenar esse trabalho de investigação, capacitação e análise.
Termino invocando Romain Rolland Premio Nobel da literatura, humanista e pacifista, amigo de Tagore e de Gandhi, a quem em 1921 já Stefan Zweig designou como a consciência moral da Europa: “Fazendo, enganamo-nos algumas vezes; não fazendo, enganamo-nos sempre!”
Que Nossa Senhora da Misericórdia, a Senhora do Manto Grande nos proteja.
Presidente do Secretariado Nacional da UMP
Manuel de Lemos